sempre uma (nova) lição


É bonito aquilo que se vê da minha varanda. Gosto de ir lá à noite. Não posso ver toda a vegetação que vejo de dia, não há iluminação nos pinhais. Vejo as luzes da (minha) cidade, vejo os carros que circulam, mas hoje a minha atenção foi presa por algo especial: o comboio.
Só consegui ver as luzinhas de forma rectangular que corriam, umas atrás das outras, à velocidade dos sonhos de quem viaja. E pus-me a pensar, a recordar e a imaginar. Lembrei-me da última vez que passei naquela linha... Vinha de coração cheio (como sempre estou de lenço ao peito), trazia na bagagem cantares de rua, cheiros do Norte, sorrisos daqueles que só queriam carinho, gargalhadas dos meus, cumplicidades, romances e uma porta aberta para ser Homem Novo, decisões tomadas, foi o começo da despedida. Nada disto sinónimo de tristeza, porque o encerrar de um ciclo é sempre o começo de outro.
Lembrei-me, depois, da última viagem que fiz. Desta vez, de camioneta. Aquela que, até agora, foi a viagem da minha vida. Sentimos as coisas de forma diferente quando estamos por nossa conta; quando não há o telefonema para os pais no fim da noite a reclamar a boleia para casa; quando todas as refeições são feitas com os amigos que, a certa altura, já são família; quando somos nós a tomar todas as decisões do nosso dia e somos (totalmente) responsáveis por todas as atitudes que tomamos. Sim, é diferente! E é também por isso que esta foi A viagem e não uma viagem.
Estar vinte e quatro sobre vinte e quatro horas com pessoas com quem, na maioria dos dias, nos cruzamos meia dúzia de vezes, na escola, faz-nos conhecê-las. Percebemos o bom e o mau de cada um, apercebemo-nos das fraquezas e opções de cada um, criamos e fortalecemos laços, numa palavra: CRESCEMOS!
Voltando ao comboio que vi da minha varanda. Durante mais uns segundos, imaginei a história de cada pessoa que lá estava dentro. Imaginei o estudante universitário, de phones nos ouvidos e malas feitas, vindo da sua terra, forçadamente pronto para mais uns tempos de estudo. Imaginei a senhora adulta, que trabalha por turnos e cujo ordenado só permite que use transportes públicos. Imaginei um ou dois estrangeiros, de mochila aviada, à descoberta do mundo, aproveitando as viagens nocturnas de comboio para dormir. Imaginei mais meia dúzia de corpos, sem grande história: um senhor de bengala, uma jovem compenetrada no Memorial do Convento, um outro senhor, de meia idade, de jornal aberto... Os típicos utilizadores do comboio (estereótipos!).
O mesmo comboio que me fez divagar, pegar na caneta e criar. Gosto do que vejo da minha varanda, à noite. Hoje descobri-lhe uma nova faceta.

Comentários

Pat disse…
que texto lindo, adorei!
Lia disse…
é necessário dizer que está maravilhoso? vais ser a minha jornalista preferida :b
Helena Moniz disse…
obrigada, catarina :)
Já não vinha ao teu blogue há muito tempo, mas continuo a adorar a tua escrita!
Adoro a forma como expoes as palavras!