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A mostrar mensagens de abril, 2017

#10 - SABORES

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Há casas em que se usam muitas especiarias. Cozinhas onde não se faz puré sem noz moscada, onde não se faz salada sem oregãos, onde não se faz molho sem ter meia dúzia de grãos de pimenta. Na cozinha da minha casa não é assim. Põe-se louro e salsa de vez em quando, sal, colorau e pouco mais. Quando cheguei a meio do último ano do meu curso, lançaram-me aos lobos, que é como quem diz que me mandaram para estágio, numa produtora de televisão, na capital, onde conhecia pouco mais do que o zoo e o oceanário. La vai a Catarina, de trouxa aviada, partilhar casa com pessoas que não conhece, mas cheia de vontade e de fome de mundo. Para a maior parte dos meus colegas, nesta altura do campeonato, mudar de cidade e partilhar casa e problemas com desconhecidos não era nada de novo. Mas para mim, coimbrinha , a estudar na minha cidade a morar com os papás, tudo foi uma aventura. A primeira coisa em que reparei, na primeira noite em que fiquei "sozinha" naquela casa foi num cesto, ao

#09 - LUGARES

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Pessoas que são famílias de acolhimento de idosos, que trabalham em lares, em centros de dia, que fazem apoio domiciliário... são pessoas que me merecem uma profunda admiração. Cuidar dos nossos velhos já não é fácil, mas cuidar dos velhos dos outros é de uma abnegação, de um altruísmo e de uma capacidade de amar o próximo que eu não sou capaz de medir em palavras. A minha avó não teve uma vida fácil. Ficou viúva aos 29 anos, com uma filha de dois nos braços e toda uma vida solitária pela frente. Cresceu no tempo em que as mulheres eram de um homem só e sempre manteve a máxima de que "Se Deus me quisesse com um homem, não me tirava o meu.". Durante toda a vida carregou às costas a mágoa que desde aí lhe ficou, cultivou no peito a angústia da morte e sofreu-a sozinha. Pouco ou nada fala sobre o assunto. Nunca falou. A fotografia do casamento, a única que conheço dos dois, esteve escondida por trás das outras anos e anos. A cabeça começou a falhar, a doença começou a tomar co

#08 - LIVROS

Quando estudamos há sempre monstros que nos assustam: o cadeirão do curso, as médias para entrar na faculdade, os exames... O monstro que povoou os meus dias, no 11º ano, algures entre o estudo de Física e Química e o de Biologia e Geologia, foi o Saramago. O homem que escreve sem sinais de pontuação. Os malditos, que eu levei tanto tempo a aprender, que me tiraram tantos pontos nos testes... Agora vem este e nem sequer os usa. E eu que me amanhe a entendê-lo e a fazer um exame sobre ele, do qual depende totalmente a minha entrada na faculdade. No final do 11º ano, a Manela, minha professora de português, aconselhou-nos a começar a pegar no "Memorial do Convento" nas férias. Para nos irmos habituando à escrita, para nos familiarizarmos com a história, para não a lermos pela primeira vez nas aulas. Para a maior parte dos meus colegas, tenho a certeza que aquilo entrou e saiu. Toda a gente andava preocupada com outras coisas e aquilo não era de, forma nenhuma, prioridade. Mas

#07 - MEMÓRIAS

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Sempre fui a miúda da turma que nunca tinha andado na creche ou na pré-escola. Enquanto andei na primária, aqui na santa terrinha , nunca me pareceu estranho, já nos conhecíamos e era um facto comum a várias pessoas. Mas quando entrei para o segundo ciclo eu era o bicho estranho que vivia numa aldeia com um nome ainda mais estranho e que nunca tinha andado na creche ou na pré-escola. A verdade é que nunca precisei. Cresci num tempo em que a reforma chegava mais cedo. Por isso, tinha uma avó sempre disponível, outra avó que trabalhava apenas uma vez por semana e uma bisavó que ainda estava aí para as curvas e que ajudava, caso fosse necessário. Então cresci a descascar ervilhas com uma das minhas avós e a limpar a capela com a outra. Passei os meus dias a brincar na rua, a andar de bicicleta e a cair, a jogar à bola e a andar de trotinete. Nunca fiz birras quando a minha mãe estava a fazer o turno da noite e eu tinha de dormir fora de casa. Reclamava pouco da comida que me punham à fr

#06 - NATUREZA

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Sabem o jogo da confiança? Aquele em que nos deixamos cair para trás com a certeza de que a pessoa que está atrás de nós vai agarrar-nos, suportar o nosso peso e proteger-nos? Venho falar-vos da primeira vez que o fiz sem qualquer tipo de receio. Quem nunca teve vontade de se benzer antes de se atirar que ponha a mão no ar! É inevitável, por muito que gostemos das pessoas que estão atrás de nós, por muito que acreditemos que não nos farão mal, fico sempre com medo. Alguém confia cegamente? Penso sempre que podem levar aquilo na brincadeira e sair de trás, só para nos rirmos um bocado, como aquelas pessoas que puxam a cadeira quando estás para te sentar. E por isso, quando me deixo cair, há sempre aquela tentação de recuar um pé para ter a certeza que mesmo que não me segurem, não me vou esborrachar toda no meio do chão. E depois há sempre aquelas pessoas que ficam chateadas, porque acham que eu não confio. Não é isso, acho que é um mecanismo de defesa e, nesses momentos, raramente a mi

#05 - SONS

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Tornou-se comum dizer que "A melhor rede social é uma mesa rodeada de amigos". E ainda que isto possa parecer uma frase feita tem, como todas, um fundo grande de verdade. Continua a ser impagável o gargalhar de quem gostamos e a mesa nunca deixou de ser o melhor palco para um grande momento de convívio. Não foi à toa que se criou o hábito de comemorar as coisas que de bom nos aconteceram com um jantar. Rodearmo-nos de pessoas boas, em torno de comida preparada com carinho e um vinho escolhido a preceito tem tudo para ser um momento de festa. Fazemos jantares de aniversário, jantares de natal, jantares de passagem de ano, fazemos almoços para celebrar negócios, almoçamos em grande galhofa com os nossos amigos na escola, partilhamos uma mesa cheia de marmitas com os nossos colegas de trabalho, fazemos piqueniques no verão, na primavera, lanchamos com os nossos amigos para pôr a conversa em dia... Pegamos nos momentos bons e fazemos deles uma refeição. Na maior parte das vezes

#04 - COMIDA

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Viver na aldeia às vezes é uma chatice. Toda a gente nos conhece e isso tem tanto de bom como de mau. Ir ao café é o mesmo que comprar um jornal local. Não há cinema, não há centros comerciais (na minha nem sequer há minimercado!), não há caixas de multibanco nem farmácias. Os autocarros têm horários escassos e nem sempre vão para onde precisamos. Não há um restaurante, nem sítio onde ir comprar uma bilha de gás. Posso ir a pé a todo o lado mas não há grande sítio onde ir. Na minha aldeia já nem há escola primária. Mas vive-se bem aqui. É pacato! Sempre brinquei na rua, aprendi a andar de trotinete na estrada, corri atrás de galinhas e quando preciso de um limão, atravesso a estrada, estico a mão e apanho um. Não tenho uma casa grande, e por isso quando há festarola reunimo-nos no quintal. Isso implica toda uma questão logística que vai desde acartar todas as coisas necessárias para o sítio, até ter todos os vizinhos à janela a querer saber o que se passa. Vizinhos... Os vizinhos da a

#03 - COR

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Se há um ditado que diz que "O bom filho à casa torna", também há um outro que nos lembra que não revisitemos lugares onde fomos felizes. Nunca fui grande adepta deste segundo. Mas ultimamente, por me ter tornado fã da Raquel Tavares e por ter descoberto esta música , tenho pensado muito nele. Perdoem-me a presunção, mas não sei se conheço alguém que tenha sido mais apaixonado pela vida académica do que eu. Pela praxe boa e regrada, pelos batismos, pelas famílias, pelas noites de folia, pelas tardes de estudo, pelo companheirismo e pelos grupos de amigos que se tornam mais do que família. Todavia estou cada vez mais desligada de tudo o que me liga a esses tempos pouco longínquos. Vou sendo convidada para praxes e convívios a que decidi deixar de ir e, às vezes, até a camisola de curso me custa vestir. Não que tenha alguma espécie de mágoa. Talvez desligar-me doa menos. Mas não me faz amar menos... A A. é o meu despertador, o meu puxão para a realidade, a pessoa que meia vol

#02 - TECNOLOGIA

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Há cerca de um ano, farta de estar em casa e depois de recuperar de um dedo partido, larguei-me a entregar currículos no centro comercial. Se era a ideia que mais me agradava? Não, nem por isso. Mas na altura era a mais imediata e mais acessível. Passados poucos dias, fui chamada para uma entrevista, na Tiger, no (na altura) Dolce Vita Coimbra, e umas horas depois da entrevista estava a ser contactada com a notícia de que tinha ficado. Trabalhar na Tiger trouxe-me coisas más e coisas boas, como tudo, mas uma das coisas em que me enriqueceu foi no leque de jogos. O desconto de funcionária e a variedade disponível ajudaram. A alguns dou muito uso, outros nem por isso. Um dos jogos que comprei consiste apenas nisto: uma caixinha com seis dados, cada dado tem em cada face uma imagem e o objetivo é construirmos histórias com aquilo que a sorte nos vai reservando, de cada vez que lançarmos os dados. Na altura comprei-o porque achei que podia dar jeito para algumas atividades com os escu

#01 - CHEIROS

Sou uma maluquinha das coleções. E gosto! Acho que se me chamarem assim me sinto meio que elogiada. Não sei de onde me veio o bichinho, nem quando começou. Mas já tive uma coleção de porta-chaves, uma de isqueiros, uma de postais, tentei continuar uma coleção de canetas do meu pai, já tive uma coleção de pacotes de açúcar, primeiro cheios, depois vazios. De momento coleciono galos de Barcelos e sou grande fã de tudo o que tenha a ver com globos e mapas. Posso considerar os livros uma coleção? A acrescentar a isto, guardo tralha! Desde recordações, a caixas (que um dia podem ser precisas para qualquer coisa), revistas de determinado tema... Digamos que daqui a uns anos a minha casa há-de assemelhar-se àquelas garagens que aparecem nos leilões da televisão. Garagens cheias de coisas que ninguém sabe muito bem o que é, como está organizado e o porquê de estar ali. E por muito estranho que isso vos pareça, agrada-me tanto esta ideia... Apesar de já me ter estendido por um longo parágrafo,