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A mostrar mensagens de novembro, 2014

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Para o dia de verão quente. Algures entre mergulhos e construções de areia em que tu apareceste. Lembro-me bem do teu sorriso de miúdo naquele dia, aquele que ainda tens , o corpo moreno e o cabelo loiro a esvoaçar à medida que corrias. Lembro-me de ti. Falaste comigo entre uma das viagens ao mar, trazias o corpo branco do salitre e eu tremia de frio. Perguntaste-me porque é que estava a ir embora, quando todos os nossos amigos estavam no mar e disseste-me se não queria ir jogar um qualquer jogo contigo, não me lembro qual, tinha-me perdido algures entre os teus olhos verdes. Tínhamos 15 anos e era final do verão, conhecíamo-nos desde o início e entre nós havia qualquer coisa para além da inocência. Nesse dia - como todos os outros fomos aos gelados - fomos todos, era ritual. Mas desta vez nós fomos ficando para trás, acho que o facto de me

(10) O teu sabor

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Sentei-me no sof á . Uma, duas, tr ê s colheres de iogurte de p ê ssego. J á n ã o estou ali. Fui transportado para o dia em que conheci este sabor. O teu sabor. O p ê ssego do teu batom. Foi na faculdade. Depois da nossa aula de desenho, escapei-me para a esplanada do bar. Sentei-me naquela mesa do canto e tirei um cigarro. Dois minutos depois, apareces tu. Fizeste quest ã o de ficar no outro canto da esplanada. Fiz de conta que n ã o sabia o teu nome. Fizeste de conta que nunca me tinhas visto. Fiz de conta que n ã o sabias quem eu era. Fizeste de conta que n ã o conhecias o meu perfume. Fiz de conta que jamais te tinha tocado. Fizemos de conta que n ã o nos am á vamos. Enquanto eu bafejava o meu cigarro, cruzaste um desafiante olhar. Respondi com um sorriso e o plano estava feito. Eu j á sabia o que fazer quando matasse o cigarro. Fugi dali em dire çã o à s casas de banho. Aqueles 20 metros que distanciavam a esplanada do corredor pareciam infinitos. Pareciam meses a d

(9) Lábios Sabor de Pêssego

Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Estávamos sentados no sofá de minha casa. O crepitar do fogo na lareira, a chuva lá fora, nós enroscados numa manta. Disseste que tinhas trazido algo para eu provar. Levantaste-te e tiraste do saco que trouxeste dois iogurtes de pêssego. Ri-me. “Porque é que trouxeste dois iogurtes?” – perguntei-te. “Sabes que também tenho iogurtes cá em casa, não sabes? E além disso, está demasiado frio e só me apetece um leite quente”. Insististe mas eu não quis. Dizias que nunca tinha comido daquele sabor e que eram mesmo bons. Eras teimoso e ficaste chateado só porque eu não quis provar. Comeste o teu. Quando a birra te passou e me beijaste, senti o sabor do iogurte. “Hmmm, sabes a pêssego.” Quis comer o iogurte e não deixaste porque não provei quando quiseste. Fiquei amuada. Éramos cão e gato. Mas não nas coisas importantes, só nas banais. Agora já não está

(8) 4 colheres e 4 iogurtes

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estava ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Seria provavelmente perto da hora do lanche e como num habitual domingo chuvoso, decidi tirar a tarde para por em dia a lista de filmes “que um dia vou querer ver”.  Aproveitei o fim-de-semana de volta a casa, depois de mais uma semana como estudante universitária na grande cidade de Coimbra e combinei jantar com as minhas amigas do secundário. Jantar, levou a café, café ao bar e do bar saímos já o sol tinha nascido. Apesar do sono, deu para pôr muitas conversas em dia, relembrar momentos passados, namoros trágicos e até mesmo quando a Luísa quase foi apanhada a copiar no teste de biologia para o qual, sem espanto algum, se havia esquecido de estudar. Era uma sensação estranha voltar a casa apenas aos fins-de-semana, fins-de-semana estes que são cada vez menos. Os transportes são caros, a matéria aumenta a cada hora de aula e novos laços

(7) Preencher Espaço em Branco Aqui

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportado para o dia em que conheci este sabor. Sabor é a recomendação de hoje. Se procurar nas minhas recordações os que me deixaram um sabor duradouro, se fizer um balanço das horas em que me valeram, encontro-me sempre com aquelas que não valeram a pena. Foram meses perdidos. Até mesmo aqueles minuciosos segundos em que te tentei pôr um sorriso na cara, no fim não passaram de um tiro no escuro. Acreditei (e acreditei bem!), que desta vez tudo ia ser diferente, que eras tu a tal, que eras tu que me ias fazer acreditar novamente. Eras tu! Sussurrei-te ao ouvido, “fica comigo, és tudo aquilo que preciso”, e por várias vezes me deixaste crente em ouvir o que seria música para os meus ouvidos. Música essa que parou de ser cantada, porque carregaste no stop . Desilusão? Outra vez… Faz parte… E às vezes entregamos um coração inteiro e recebemos um todo estragado. E agora fica o medo. Medo de c

(6) Puro Sabor

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Gosto de me perder em mim própria quando como iogurtes. É o mesmo quando estou no banho: surgem as melhores ideias e faço os pensamentos mais complexos do dia. Fiquei ali a saborear o iogurte como se fosse a primeira vez. Passou-me tudo pela cabeça: o que fui, o que sou e o que serei daqui a uns anos. As saudades da infância apertaram…era tudo tão mais simples. Estava a pensar nas coisas que fazia em miúda e que nunca mais fiz. Haverá idade limite para andar de baloiço? Não me parece…é certo…mas também nunca mais andei. E também nunca mais me lambuzei como fazia enquanto comia gelados. Tinha sempre a resposta na ponta da língua: “A máquina lava” - lambuzei-me até ao fim do iogurte. Penso mais no passado e no futuro que no presente. O presente é chato. Tenho sempre imensas coisas para fazer e normalmente nem tenho tempo para saborear iog

(5) Furacão

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Sentei- me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor . Inquieta-me a passagem do tempo quando o tempo por mim não passa. Espero por uma mudança que tarda em chegar. Há um passado que me amaldiçoa e não me deixa viver o presente. Anseio pelo futuro, anseio que o tempo traga mudança, que ela venha que nem um furacão e te leve de dentro de mim- estranha analogia esta, quando até nas palavras tu vens ao meu encontro. Dóis-me demais. Dóis-me quando penso em ti e dóis-me quando em ti não penso, não voluntariamente, como agora. Dóis-me quando me apercebo que vives dentro de mim, na minha casa, no sofá que já foi o aconchego dos nossos corpos, no corredor que vivenciou a volúpia de nós, nas paredes que encerram o teu cheiro, paredes essas que nunca foram capazes de te segurar, de barrar a tua ida. Dóis-me quando vives na rotina que um dia deixou de ser minha para ser nossa. Dóis-me quando umas simples

(4) Iogurte Mata-saudades

Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Nunca gostei de nada que tivesse pêssego, e no que toca os iogurtes sempre preferi os de morango. Implicavas comigo por isso, e todas as tardes em que comíamos um iogurte ao lanche - tu de pêssego, eu de morango - já sabia que ias tirar a tampa e sujar-me o nariz com ela. Uma vez por outra lá o sabor a pêssego me chegava à boca, e eu, imediatamente, torcia o nariz. Imitavas a minha cara, e rias-te, como só a ti te vi rir assim. Tinhas um riso tão espontâneo, às vezes assustava-me de tão alto que era. Hoje tenho só saudades. É pelas saudades que hoje como iogurtes de pêssego. Um por dia. Ou mais, depende da falta que me fizeste naquele dia. Tu sabes, quando partiste eu não sabia onde me segurar, já não te tinha aqui para implicar comigo, e para me sujar o nariz. E no frigorífico, os iogurtes de morango acabavam, e ficavam os de pêssego à tua espe

(3) E a conta da saudade? Quem é que a paga?

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Este aroma a fruto proibido, esta saudade que é alimento para a alma. E lá estávamos nós de mãos dadas a saborear a simplicidade da vida, a encher o nosso dia de emoções com a certeza de que o mundo era nosso! Deitados e descalços a sentir os grãos da areia molhada, completamente desprevenidos e alheios às ondas que a qualquer momento podiam juntar-se a nós sem avisar. Eu era assim contigo. Não achava nem pensava, só estava. Sempre inteira e sem reservas.  Ria-me de ti e das tuas piadas que eram tentativas mirabolantes de me fazer sorrir. E conseguias sempre, eras mestre nessa arte, o meu palhaço de eleição, o centro de tudo. Não sei se te lembras daquela vez (e a vontade que eu tenho de recuar no tempo…) em que o teu único objetivo era curar outra das minhas crises existenciais e, no meio da rua mais movimentada de Lisboa, me fugiste.

(2) Iogurte de Pêssego & Memórias de Infância

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. A minha infância foi revivida em câmara lenta na minha mente. E depois cheguei ao dia em que a minha mãe resolveu comprar os tais iogurtes de pêssego tão famosos, aqueles que todos os santos dias passavam nas publicidades dos canais que víamos. Tanto a chateei, que acabou por comprá-los. Por mais estranho que isso possa ser, lembro-me que parecia uma criança com um brinquedo novo, enquanto a única coisa de novo que havia ali era mesmo o iogurte em si. E foi então que, sentada no baloiço já velho que continuava no jardim, abri o iogurte, para contemplar um conteúdo creme. Levei a colher, pela primeira vez, ao seu interior e retirei um pouco – poderia não gostar e assim começava por pouco, só para experimentar. Levei a colher à minha boca, ansiosa por sentir aquele sabor. E foi então que percebi. Era só o melhor iogurte que já tinha comido n

(1) Renovando o Destino

Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Aquele final de tarde de outono parecia uma bênção para quem não aproveitou o verão como quis e planeou uma vida ao sabor do vento quente. Já não era julho nem agosto, setembro já tinha acabado e foi em outubro que tudo reapareceu. Senti que o destino estava à espreita e cruzámo-nos ali mesmo, à porta do ginásio que ambos frequentemos há tanto tempo e que nunca nos tinha proporcionado um momento destes. Já não sabia o que era olhar para ti, ver a barba descuidada e um ar de miúdo que não quis crescer. Imediatamente apareceram as memórias que me diziam ''percebes agora o que ele tem a mais do que os outros?''. Não, continuo sem perceber. E acho que é assim que quero continuar, porque no dia que perceber e decifrar o que há por trás dessa imagem de durão que se arrepia se lhe passar as unhas no braço, a magia acaba. E se ela dura h

"fusing_brains"

Há um ano e pouco desafiei os meus amigos a serem a minha voz, a completarem um texto meu. As colaborações foram fantásticas e o desafio no blog foi um sucesso, na minha óptica (vejam  aqui ). Decidi então repetir a brincadeira. Alguns dos participantes são comuns. Outros foram seguidores do anterior e partilharam comigo que gostavam de participar. O que é que este traz de novo? Uma das convidadas é alguém que só conheço entre as linhas do seu blog, e entre os restantes há também uns quantos bloggers. Não podia deixar de partilhar estes tesouros convosco. Obrigada por estarem desse lado. O ponto de partida: Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. O desafio deste ano chama-se "fusing_brains" e terão acesso a ele uma vez por dia.