Capitão Romance
Antigamente ainda me mandavas as saudades
por correio. Letra redondinha, manuscrita com sabor. E no fim esboçavas um
beijo com o teu batom. Um envelope vulgar só para ninguém descobrir. Ninguém
podia saber que o carteiro, dentro da sua malinha de cabedal, transportava o
teu coração a transbordar de saudades deste outro coração sempre cheio de ti.
Era tão bom quando o papel trazia o teu
cheiro. Eu conseguia ouvir a tua voz a cada palavra que lia. Conseguia
visualizar o teu sorriso ao escrever cada linha… E sorria também.
E depois escrevia-te de volta. Transpunha
para o papel cada sílaba do meu amor por ti e sabia que o recebias inteiro,
intacto e que o guardavas como ninguém. Tinha uma letra feia, nunca me
preocupei em aperfeiçoá-la, era algo meu e tu nunca me quiseste subtrair de mim
próprio.
Acho que era isso que tínhamos de tão
inigualável: a capacidade quase inata de respeito pelas características e
convicções do outro. Nunca me pediste que mudasse por ti, nem eu pensei
pedir-to, sendo que nenhum de nós o faria. Porém o verdadeiro encanto está no
facto de que esse pedido nunca existiu.
Os anos passaram. Hoje já ninguém escreve
cartas. Os jovens de hoje são filhos dos videoclipes e transmitem o que se
sentem através de letras de músicas partilhadas nas redes sociais. Meio através
do qual não passa o batom, o cheiro a jasmim ou o borrão da lágrima. Falo da
era do para sempre todos os dias e do
amor da minha vida diferente em cada
semana. O tempo das efémeras mensagens de texto que jamais perdurarão ao longo
dos anos.
Nós somos filhos de outra época, a época em
que o 25 de Abril era utopia, em que
se namorava ao varandim e que ir de branco no casamento era mais do que uma
tradição.
Em parceria com Tiago Pereira
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