ordem (pouco) natural
Quando olhamos para pessoas com
mais de sessenta anos é frequente esquecermo-nos que já foram novos. Ou melhor,
esquecermos que já sentiram a força da vida como nós a sentimos. A minha irmã
até acha que as pessoas deviam mudar de nome a meio da vida, pois há nomes que
não encaixam bem em certas idades. Como isto, é frequente esquecermos que
também, como nós, cultivaram afectos. Esquecemo-nos que também sofreram nos
seus amores de adolescência, mesmo que só tenham tido um e que seja o actual.
Esquecemo-nos que sofreram de bullyng,
apesar de na altura não haver um nome pomposo para isso. E esquecemo-nos que
tiveram irmãos. Mesmo que hoje ainda os tenham. É-nos difícil ver neles uma
relação de irmãos, porque não os vemos viver na mesma casa nem andar às turras
a toda a hora. Quase os vemos como amigos que nasceram da mesma mãe. Porém nas
horas de aperto, percebemos que são tão irmãos ou mais do que aquilo que somos
hoje. Eles foram irmãos noutros tempos, tempos em que ter mais que 5 ou 6 anos
de diferença significava ser quase mãe ou pai do petiz. Nasceram irmãos no
tempo em que a sardinha era dividida em três e no dia de aniversário de um, os
outros comiam um pouco menos para que aquele fosse saciado. Foram irmãos no
tempo em que se estimava a roupa do Domingo para que ela pudesse passar intacta
para o irmão mais novo. É duro ver alguém perder o seu irmão mais novo. Ver
alguém praguejar pela ordem errada que as coisas tomaram, sempre esperamos que
sejam os mais velhos primeiro. E é duro, sobretudo, quando se tratam dos irmãos
daqueles tempos, dos irmãos dos tempos de aflição, dos irmãos que sempre se
viraram do avesso uns pelos outros. Os irmãos, como os pais, deviam ser
eternos.
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