(12) Amor em Conserva
Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já
não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Estava
sentada no murete da praia. E tu estavas comigo. Foste tu que mo ofereceste.
Era o sabor do teu Verão, dizias. E, naquele momento, soube-me a ginjas. Estava um calor abrasador e aquele iogurte,
tirado da tua malinha térmica, com que tantas vezes gozei, foi um oásis. Nunca
mais pensei em tal coisa.
Outro dia, andava eu, como
sempre apressada, no supermercado quando os meus olhos se fixaram num sítio
muito específico da vitrine dos iogurtes. O sabor a pêssego instalou-se de
forma imediata na minha língua. Não consegui não pegar numa embalagem e
trazê-la.
Desde esse dia que me lembro
de ti de cada vez que o meu serão sabe a pêssego. Penso em ti em todas as
manhãs em que a minha mala leva um iogurte e uma colher. E sou obrigada a
continuar a recordar-me de ti, porque já não compro outros iogurtes.
Durante este Verão, que dista
uns anos do primeiro, voltei àquela praia. Não propositadamente nem por vontade
própria. Um encontro de amigos. Passei o dia a lembrar-me de ti. Ora porque via
um chapéu de sol do mesmo verde que o teu, ora porque a Marta estava sempre a dar-me na cabeça para ir para a sombra,
tal e qual tu.
No Natal passado, a consoada
foi cá em casa. Sabes que a minha mãe tem a mania de que os presentes têm de
ser muito úteis, nada que se assemelhe a luxos, mas sim a necessidades. Qual
não é o meu espanto, quando percebo que a minha prenda é uma bolsinha térmica
para levar o almoço para o trabalho. Claro que quase morri de riso sem que
ninguém percebesse porquê. Esta era, indubitavelmente, uma das evidências de
que tu eras muito mais velho de mente, do que de corpo. E eu agora percebo que
já tenho 30 anos e como tal, idade mental e física para usar bolsinha térmica.
Às vezes chego a perguntar-me
porque é que nunca namorámos. Tu eras apaixonado por mim e eu, na minha forma
parva de ser, também gostava muito de ti. Não sei se ainda gosto. Talvez sempre
tenha gostado e isso explica o facto de me lembrar de ti por tudo e por nada.
Eras um jovem muito velho e se calhar foi isso que me afastou de ti. Eu só
queria saltar de pára-quedas e tu já tinhas os pés demasiado assentes na terra.
Eu fazia tudo por uma noite de copos e, para ti, uma noite a sério era um
jantar de família. Desconfio que se tivéssemos namorado, me tinhas posto uma
aliança no dedo no primeiro mês. Dez anos depois, pergunto-me como serás. Se a
tua velhice se mantém ou se se agravou.
Sento-me ao computador. Levo o
iogurte, que entretanto parei de comer. Procuro por ti no facebook e percebo que já não te dás pelo teu segundo nome, como
sempre te conheci, mas pelo primeiro e último, coisa de empresário, percebo.
Carrego no botão «Mensagem»:
Olá Miguel (mesmo que no mundo da Internet todos te conheçam por José,
para mim és o Miguel),
Há quantos anos eu não sei nada de ti, rapaz…
Ainda estás por cá?
Tenho saudades tuas. Que tal um café à beira rio?
Beijinhos,
Lú!
por Catarina Martins (proprietária deste blog)
fusing_brains
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