Outro tempo, o de ser feliz



Todas as pessoas têm memórias e há memórias que são comuns à maioria das pessoas. Toda a gente se lembra da sua primeira paixão, eu lembro-me da minha. Toda a gente se lembra do corte de cabelo que tinha em miúdo, eu lembro-me do meu (e não era bonito). Toda a gente se lembra das brincadeiras ou brinquedos que mais gostava; eu adorava quando a minha mãe chegava a casa e trazia livros para pintar. Toda a gente se lembra dos amigos de infância, tenho poucos desses. Toda a gente se lembra do seu primeiro dia na escola primária… Não! Eu não me lembro. Lembro-me do antes… Lembro-me que foi em casa que aprendi a ler e a escrever (estas coisas sempre foram uma constante na minha vida). Lembro-me do depois desse primeiro dia. Partilhava a sala com uma outra turma, a do segundo ano. E lembro-me que as coisas deles eram muito mais interessantes que as nossas, eram novas para mim. O B-A, BA eu já sabia… Lembro-me do quão orgulhosa fiquei quando um dia, eles estavam a aprender os meses do ano e eu já os sabia de uma ponta à outra e foi com um toque de presunção que me levantei e os disse a todos sem uma única falha. Lembro-me que a minha professora reconhecia em mim potencial e que isso me deixava muito feliz.
A professora. Seguramente a memória mais nítida que tenho. Usava uma bata branca que nem senhora da farmácia, o cabelo grisalho e com um corte que eu considerava curioso para a idade dela. Foi minha professora dois anos e só eu sei o que sofri quando tive de trocar de professora. O tempo foi passando, deixei de a ver… Há anos que não a vejo… Há anos que não a via! Há uns dias, estava eu na caixa de supermercado quando me deparo com ela na fila. Percebi que não me reconheceu à primeira. Fui ter com ela e bastou-me dizer “Professora” para receber um enorme sorriso e um abraço gigante. Ficámos ali uns minutos à conversa e, no meio de todas a palavras, reparei-lhe nas mãos. Percebi que estavam iguais, imutáveis. Nem sabia que tinha memória disso, das mãos dela; porém assim que a vi gesticular na minha frente, tive a certeza que sempre as conhecera. Não posso explicar a nostalgia que aquelas mãos me trouxeram, uma sensação de conforto do tamanho do mundo e uma lágrima retida nos meus olhos felizes.
Despediu-se de mim com (mais) um abraço e votos das maiores felicidades que conhece. Sei que me tem, a mim e a todos, sempre com ela. E eu tenho-a comigo, mesmo que até aqui não tenha percebido. Fez-me ganhar o dia!

(apenas quis partilhar este sentimento)

Comentários

Alexandra Monteiro disse…
Sabes que gosto muito de ler os teus textos.
É incrível como o tempo passa depressa, como há memórias que se perdem mas como há outras que ficam e nos marcam profundamente. Como poderias esquecer-te da tua professora se ela, para além de acreditar em ti, muito provavelmente te fez a ti própria acreditar no teu potencial? Todos gostamos de ter alguém que nos ensine, que acredite em nós. Amigos de infância? Há alguns que permanecem mas lembrar-me da amizade na infância faz-me sorrir e pensar como era tudo tão mais fácil e como as nossas discussões, se existissem, eram por causa de brinquedos e passavam logo a seguir? Desculpa estar a alongar-me no comentário, mas deixaste-me nostálgica. As vezes o tempo passa pelas memórias, outras vez as memórias passam pelo tempo.
Continua a escrever assim e tocar no coração das pessoas <3
Filipa Teixeira disse…
É lindo quando nos deparamos a recitar momentos que até então puderíamos dizer "nem me lembro o que comi ontem". No entanto, a nostalgia das memórias do passado são como abrir o livro favorito passado 7 anos, afinal ainda sei a história toda... Adoro sentir aquele amor especial pelo que foi, pelo que nos marca ou marcou... pelo que nos faz crescer na nossa essência.

Como sempre, Catarina, adoro ler as tuas palavras.