#07 - MEMÓRIAS

Sempre fui a miúda da turma que nunca tinha andado na creche ou na pré-escola. Enquanto andei na primária, aqui na santa terrinha, nunca me pareceu estranho, já nos conhecíamos e era um facto comum a várias pessoas. Mas quando entrei para o segundo ciclo eu era o bicho estranho que vivia numa aldeia com um nome ainda mais estranho e que nunca tinha andado na creche ou na pré-escola. A verdade é que nunca precisei. Cresci num tempo em que a reforma chegava mais cedo. Por isso, tinha uma avó sempre disponível, outra avó que trabalhava apenas uma vez por semana e uma bisavó que ainda estava aí para as curvas e que ajudava, caso fosse necessário.

Então cresci a descascar ervilhas com uma das minhas avós e a limpar a capela com a outra. Passei os meus dias a brincar na rua, a andar de bicicleta e a cair, a jogar à bola e a andar de trotinete. Nunca fiz birras quando a minha mãe estava a fazer o turno da noite e eu tinha de dormir fora de casa. Reclamava pouco da comida que me punham à frente e nunca dei muito trabalho. Chorei muito da primeira vez que engoli uma pastilha e vi, da varanda, o alcatrão a chegar à minha rua (sim, lembro-me perfeitamente de quando era forrada a calçada, e não sou tão velha quanto isso!).


Quando entrei para a escola já sabia ler, escrever e contar. Para isso deve ter contribuído o facto de a minha mãe estar grávida durante esse ano e, por isso, ter mais tempo para mim. Era uma máquina a decorar números de telefone (quando o mais comum ainda era o fixo). Já percebia bem do dinheiro e, por isso ainda hoje, sei bem o valor do euro em escudos e vice-versa. Não sou nem nunca fui sobredotada, mas sempre fui muito atenta a tudo. Sobretudo à televisão. Demorei até achar algum interesse nas notícias. Mas os desenhos animados e os programas de entretenimento eram um grande foco para mim. E o meu avô sabia isso.

Passei horas e horas em frente da televisão a assistir a programas de televisão que ele gravava em VHS. Uns por cima dos outros. Deixava que eu visse, duas ou três vezes e depois gravava outros. Havia alguns que perduravam no tempo, tal era o meu fascínio. Talvez o meu avô medisse a importância pelos decibéis que a minha gargalhada marcava ou então pela quantidade de tempo que ficava sem piscar os olhos.

Aquele de que mais tenho memórias (para além da coleção da Rua Sésamo ou dos clássicos da Disney) é o Big Show Sic. Um programa não sei bem sobre o quê, apresentado pelo João Baião, com bailarinas semi-nuas a dançar no chão e em cima de cubos, no qual, de vez em quando, surgia o Macaco Adriano. Nunca soube dizer bem o nome do programa, ainda hoje quando pensava nele para o escrever vacilei para o "Big Sou Chique". Exatamente desta forma, como sempre o disse. Nem sei bem porque gostava tanto, mas sabia as músicas de cor e via-o vezes sem conta. Só eu sei a pena que tenho de o leitor de VHS já não funcionar e algumas cassetes se terem estragado com o pó do tempo.


Os filmes dos casamentos e os desenhos animados eram divertidos e eu gostava. Mas o Big Show Sic era o meu favorito. Deve ser por isso que ainda hoje vejo com um certo carinho as coisas apresentadas pelo João Baião. Foi o meu companheiro de sofá, nas tardes livres e fez-me feliz. Hoje, eu estou muito grata pelo facto de o meu avô me ter ensinado a mexer no vídeo e por ter uma estante cheia de cassetes. Tenho um avô que faz tudo pelos netos, nós estamos muito gratos por isso e não sei se ele sabe.


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