#02 - TECNOLOGIA
Um dos jogos que comprei consiste apenas nisto: uma caixinha com seis dados, cada dado tem em cada face uma imagem e o objetivo é construirmos histórias com aquilo que a sorte nos vai reservando, de cada vez que lançarmos os dados. Na altura comprei-o porque achei que podia dar jeito para algumas atividades com os escuteiros. Porém, no outro dia, tendo o jogo ainda como novo, desafiei o meu primo e o meu afilhado (com 11 e 6 anos respetivamente) a jogar. Fomos construindo histórias meio malucas, rindo, consegui mantê-los sossegados durante um pedaço... De repente, quando o meu afilhado lança o dado, a imagem presente na face do dado virada para cima é um envelope, com um coração a selá-lo. Para mim, e para a maior parte de vocês, suponho, aquilo seria uma carta de amor. Pois para ele foi uma mensagem enviada no Instagram para a namorada.
Na altura fiquei espantada e interiormente revoltada. Sou uma miúda meia old school. Não gosto de ler livros no computador, gosto de escrever à mão, tenho estimulado em mim própria o envio de cartas e postais pelo correio. E de repente, chega-me este garoto a dizer que o envelope é o símbolo de uma mensagem numa rede social? Sabem o que isto significa? Que para eles até os e-mails já estão desatualizados. Significa que o D. já nasceu na sociedade do instantâneo, a sociedade do wi-fi grátis em todo o lado, a sociedade em que, estejas onde estiveres, estás contactável e podes responder na hora.
Passando-me a incredulidade do momento, refleti sobre o assunto e caraças, ainda bem que o mundo evoluiu! O papel cheira bem, é reconfortante chegar à caixa do correio e ter uma carta que alguém perdeu tempo a escrever, mas é impagável poder falar com alguém que está a quilómetros de distância. Já não dói tanto ver os nossos crescer longe. Eu posso namorar com alguém que vive no Ribatejo e falar com ele todos os dias. Hoje é possível trocar não sei quantas mensagens por dia, podemos partilhar com quem queremos vídeos do que vamos fazendo, podemos tirar fotos às caretas dos mais pequenos e enviá-las na hora, podemos partilhar a música que estamos a ouvir, mostrar a refeição que acabámos de cozinhar...
"Ah e tal, mas as pessoas partilham a vida toda nas redes sociais!". As pessoas dão às ferramentas o uso que querem. Mas a minha bisavó teria sofrido muito menos se pudesse ver os netos mais do que uma vez por ano; o meu avô teria visto o meu pai crescer enquanto lutava na guerra do Ultramar e os padrinhos da minha irmã poderiam ter passado com ela todas as Páscoas, ainda que virtualmente.
Por isso e por ser possível que vocês estejam a ler-me neste momento, hoje eu estou muito grata por todas as tecnologias que nos permitem fazer do longe, perto.
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Miguel