Antevisão (ou não)




“Vem, vem connosco!” – insistiam elas ao telemóvel. Não, hoje não me apetece ir dançar (e não, não estou doente) mas hoje queria outra coisa. Apetecia-me ficar no sofá a ver um filme e a comer bolachas torradas com nutella ou então ir a uma esplanada à beira rio beber um chá quente. Não fiz uma coisa nem outra, mas também não fui dançar com elas. Quando cheguei a casa, ao fim da tarde, tomei um banho, comi qualquer coisa, calcei umas sapatilhas e saí. Já tinha escolhido o meu plano: um passeio a pé, pela cidade, à noite. Gosto das luzes, a cidade já está enfeitada para o Natal, apesar de ainda não estarmos a meio de Novembro (quanto custará tudo isto?) e o passeio torna-se mesmo agradável, mesmo estando sozinha. A solidão assusta-me a cidade, à noite, também. Mas hoje não! Estou tranquila e, se calhar, estava mesmo a precisar deste tempo para mim. Passo pelo centro comercial e vejo a quantidade de gente que por lá se passeia. E acredito que a maior parte deles esteja realmente só a passear, poucos tem dinheiro para mais do que isso. Faço mentalmente a minha lista de presentes para o Natal, dos que gostava de receber e dos que tenho de oferecer. A cada ano que passa são menos as pessoas a quem ofereço presentes porque, para além de não nadar em dinheiro, tenho fechado o meu círculo de amigos. “Um casaco para a minha mãe, umas calças para o meu pai, um CD para a minha irmã, para a Joana aquela jarra que vimos anteontem, para a Zé o gorro azul…” e, de repente, eis que surges no meu pensamento como se fosse a coisa mais natural do mundo, como se sempre tivesses feito parte da minha lista de pessoas a quem dar presentes, como se fosses presença assídua na minha vida. A verdade é que se calhar és. Não é que te veja constantemente ou que passe o dia a pensar em ti, mas sinto que te tenho por perto para qualquer eventualidade e que se precisar de alguma coisa, qualquer que seja, basta deixar-te um bilhete. E fico mesmo com vontade de te oferecer um presente, nem que seja um bilhete num papel diferente, ou escrito com uma caneta de uma cor diferente.
Bem, com tudo isto já passei o centro comercial há cerca de meia hora… Atravesso a estrada e dirijo-me à paragem, de tão distraída que ia, quase fui atropelada (a propósito, bom carro!). Chego perto e percebo que estão pessoas sentadas no banco, não quero que me vejam ler o bilhete e ainda menos responder. Portanto encosto-me ao muro, como quem espera, amuada por já não haver lugar, pelo autocarro. Felizmente o autocarro delas não demora e, depressa, estou sozinha em frente ao teu bilhete:
Gosto de saber que te divertiste em prole da minha brincadeira! Qual é a vida que não dá voltas e voltas? Ainda bem que é assim, sinal de que estás em movimento! Parar, é morrer… Desencontrados? É perfeitamente normal, não tenho horários, sou dono do meu tempo… Gosto de ler, consigo ler em qualquer local. Como tal, deixarei novamente um novo código com o dia e intervalo de tempo que estarei aqui, exatamente neste banco, a ler. Até já!



Agora sabia exactamente onde e quando te encontrar. Escrevi simplesmente, na mesma folha:
Cá estarei! A ler(-te)…


Os dias demoraram a passar. À hora marcada lá estava eu, novamente encostada ao muro. Quem me visse de longe julgar-me-ia uma qualquer drogada na ânsia de uma nova dose, não parei quieta um minuto e nem sombras de ti…

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