Provado




Tenho andado atarefada nos últimos dias. Caixotes por todo o lado. Tenho a vida empacotada. Com todo o trabalho que tenho tido a solução é ir arrumando tudo aos poucos, por ordem de prioridades: primeiro a roupa e os sapatos, depois os livros e depois o resto. Sim, neste momento a minha casa só não parece um armazém porque tem três estantes de livros na sala.
Estava a precisar disto, de conquistar um novo espaço para mim. A casa dos meus pais traz-me imensas recordações e sou muito feliz lá, mas aquela cama de pessoa e meia (que raio é isto de “pessoa e meia”?) com colchas aos bonecos já fartava. Sim, nós mudamos. E temos de obrigar a vida a mudar connosco. Esta foi a minha mudança. Se a minha mãe visse o estado em que está esta casa diria, como sempre que deixo algo fora do sítio, que para mim está sempre tudo bem, que nada me incomoda… Não é bem isso. É só que tenho prioridades e desencaixotar bibelôs e toalhas de renda não é uma delas.
O meu carro não tem tido descanso. Normalmente, não o uso muito. A gasolina está cara e o autocarro é sempre uma boa fonte de histórias e gargalhadas para contar numa noite recheada de caracóis, amigos e cerveja fresca. Mas, nos últimos dias, tenho trabalhado até tão tarde que me falta a coragem para me levantar duas horas mais cedo, apanhar o autocarro e atravessar as ruas da Baixa a transbordar de gente. (Sei que quem se vai ressentir é o meu bolso, no final do mês. Muito bem, ainda agora saí de casa e já ando com as finanças desgovernadas!). É oficial: amanhã vou de autocarro! (E com isto mil e um pensamentos: deita-te cedo hoje; deixa a roupa para amanhã já escolhida e pendurada na cadeira, para não perderes tempo com isso de manhã; prepara a mala e mete lá o mínimo de coisas possíveis, vais ter de carregar com ela o dia todo…).
6h50: Marisa Monte a cantar para me acordar. Meia hora e está tudo pronto. Uma olhadela na versão online dos jornais. Nada de especialmente novo. Calcei umas botas rasas (este foi um pensamento importante que me escapou ontem à noite, conhecem o calvário que é andar de transportes públicos e saltos altos?) e saí de casa. Perdi o autocarro por segundos. E ainda bem… Caso o tivesse apanhado no último instante não tinha reparado no que chamava por mim, no vidro da paragem. Mais um bilhete:
Não esperava por isto, fartei-me de pensar se este bilhete que deixaste acabaria por existir. Um mural nosso? Claro que sim! Poderei saber o teu nome? No entanto, penso que deveríamos manter a nossa privacidade… Deixarei o meu de uma forma um pouco encriptada… Tenta descobrir, saberei que o fizeste se disseres o teu exatamente da mesma forma… Deixo-te num papel à parte para o puderes levar para casa e decifrares! Até já!

JOAO ANTONIO FORTUNATO

OH MEU DEUS! O que é isto? De que foi ele lembrar-se? Onde é que ele foi buscar isto? Os únicos códigos que conheço são aqueles básicos de trocar letras por números e coisas do género. O meu dia de trabalho não foi o mesmo, o meu cérebro não parou mais. Estava morta por chegar a casa. Horas e horas de pesquisa, naveguei pela internet  a noite toda. De tal maneira que, no dia seguinte, lá fui eu de carro outra vez, tipo zombie. E, em cada pausa, internet. DESCOBRI! DESCOBRI! Já sei o nome dele! Deixei o carro na redacção, fui de autocarro para casa. Afinal tinha um bilhete para deixar…
Se pudesses imaginar todo o esforço que fiz para decifrar isto, ias rir-te aposto! E aqui estou eu a fazer apostas acerca da tua reacção quando te vi uma vez na vida, quando não passas de um estranho (de quem agora já sei o nome) com quem troco bilhetes numa paragem de autocarro. Isto parece-me demasiado absurdo, mas sempre que penso nisso só me lembro que não tenho nada a perder. Sabe que a minha vida tem dado voltas e voltas e pouca coisa se manteve estanque, para além de nós dois e este mural. Gostava de voltar a ver-te. Andamos com os horários assim tão desencontrados? A propósito, sou a


CATARINA MARTINS
CAT PARA OS AMIGOS 

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