O outro lado




Olhei o relógio vezes sem conta, olhei em redor duas vezes mais, algumas pessoas devem ter achado que era psicopata de tanto que as observava. Nenhum olhar era o teu, nenhum rosto era o teu, ninguém era como tu, tu não estavas, tu não vinhas. E nesse momento acho que te senti raiva! E raiva de mim também, por ter acreditado. E depois arrependi-me solenemente de não ter trazido uma caneta para riscar todos aqueles papéis. Peguei neles, arranquei-os, amachuquei-os, mas guardei-os… Passaram-me mil e uma coisas pela cabeça. Estava chateada, deveras chateada e nem sabia que pensar. Apanhei o primeiro autocarro que apareceu, sem sequer me aperceber qual era, para onde ia.
Entrei de cabeça baixa, desejei uma boa noite ao condutor (nem quando estou num dia mau consigo deixar de o fazer, as pessoas merecem a nossa consideração) e mantive-me de pé. De repente senti uma mão no meu ombro e achei que tinha deixado cair qualquer coisa sem dar por isso e que alguém estava a tentar devolver-ma. Virei-me e… Não posso crer! Eras tu! No momento acho que me apeteceu bater-te por me teres feito pensar que não virias. Porém, depois sorriste e eu percebi que eras tu, o mesmo de sempre, aquele não tem horários, que é dono do seu tempo, aquele que me escreve em códigos e que não esqueceu o olhar que cruzou comigo uma só vez. Estavas a sorrir, continuavas a sorrir, mas o teu olhar estava triste, não me recordava dele assim. Abracei-te, sem dizer uma palavra, mal conseguia respirar. Sentia por ti um carinho gigantesco, qualquer coisa que nem sabia explicar. De repente achei que podia estar a exagerar ao abraçar-te daquela forma contudo senti a tuas mãos a tocarem as minhas costas, enquanto os teus braços envolviam o meu tronco e percebi que tudo estava no seu lugar, no tempo certo, com as pessoas exatas. Gostava de saber qual a duração certa para um abraço, não queria largar-te. Sem trocarmos uma única palavra, ambos percebemos que sairíamos na paragem seguinte e seguiríamos a pé, longas conversas nos esperavam. Assim fizemos…

Começaste por me explicar o porquê desses olhos tristes, cortou-me o coração ver-te baixar a cabeça e logo a seguir levantares os olhos e sorrires, sorrir para não chorar. Depois disseste que ias sentir falta dos nossos bilhetes e do sorriso que cada um te oferecia. Pus a mão ao bolso, tirei-os, tentei estica-los, olhei-te e encolhi os ombros, como que a desculpar-me. E perguntei “O que é isto? O que é que nós somos?”.

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