(1) O último adeus



Amanhã vou buscar-te à hora de sempre. Desces com os sacos do lixo e fazes-me sinal para esperar uns minutos. Quando entras no carro dás-me aquele teu beijo curto, quente e doce. Sabia lá eu que iria ser a nossa última viagem. Mal entraste no carro vi que estavas com cara de caso. Não ia ser uma viagem fácil. Pus o carro a andar… Passámos pelo jardim do costume, e dissemos adeus à senhora da frutaria, que sempre nos sorriu. Mesmo sem dentes aquela velhota sabia o nosso destino. Ela sabia que era a última vez. Por coincidência, ou não, íamos vestidos de igual modo, camisola azul e calças pretas. O sol estava a pousar no seu sono profundo, a lua já aparecera no céu, um aroma de pão quente pairava no ar, enquanto passávamos pela praça da vila. Seguimos viagem numa estrada com muitas curvas, e quem sabe monstros… A nossa viagem tinha um significado especial. Aquela música que nos uniu tocava sem parar, e os meus lábios trauteavam a letra. Nunca pensei em te beijar já que era errado e a sociedade não deixava o que é errado ser aceite. Até hoje não sei que música era, esqueci-me. A viagem durou horas. Finalmente, chegámos ao destino. Um prado enorme onde o sol se punha e o trigo balançava ao som da música que ainda tocava no carro. Dou por nós com os olhos postos no pôr do sol à espera do momento certo. O momento chegou. Virámo-nos para trás ao mesmo tempo e tudo se transformou num grande palco, com centenas de pessoas de pé a aplaudirem-nos. Não bastava sentirmos o que sentimos, ainda fomos vistos por centenas. Seria a nossa vida um palco onde representamos um papel? Talvez… Mas fomos um êxito! Uma dupla que nunca mais se voltará a juntar. Acabou a peça. A sensação era essa, a de fim… De repente um grande foco de luz foi-se tornando mais evidente entre o público e cheguei à conclusão que tudo não passou de um sonho. Abri os olhos e vi que tu nunca tinhas existido. As personagens que vivemos foram simples ilusões do tempo e do espaço, numa quimera de sensações e frustrações. O bom dos sonhos é que são sonhos. O mau dos sonhos é que são sonhos.

por Rafael Graça
Be my voice, write the end!

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