(2) Vida Agendada


Amanhã vou buscar-te à hora de sempre. Desces com os sacos do lixo e fazes-me sinal para esperar uns minutos. Quando entras no carro dás-me aquele teu beijo curto, quente e doce. Arrancamos, mas não para o sítio de sempre. Hoje vai ser diferente, hoje precisa de ser diferente. A rotina já pesa e o amor precisa de lenha por onde arder, certo? A viagem continua e apesar do beijo ser o mesmo, o caminho em nada se parece ao beijo. Existe um estigma no ar, um silêncio pesado que corta as palavras em meias palavras e, assim, ficamos por meias palavras e coisas por dizer. Queria dizer que não gosto da preguiça rotineira em que algo tão intenso se tornou. É intenso, sim. Mas só das 18 às 22 horas de segunda e das 16 às 20 horas de sexta. E hoje, feliz ou infelizmente, é um desses dias.
Queria poder dizer-te que não quero ser uma marcação de agenda, não quero ficar entre o relatório do patrão e a manicura. Mas, não seria isso fugir à rotina? Sim, seria. Pois a nossa relação diminui-se ao ponto de ter limites, coisas por dizer e sentimentos por exprimir. Não mata, mas amolenta. Ou será que mata?
É sempre assim, as relações foram feitas para durar, ou pelo menos assim deveriam ser. E, deve ser daí que vem a ligação do amor com o coração. Quando nascemos, bate a uma velocidade assombrosa, apesar das pequenas dimensões. Bate forte e vigoroso enquanto jovem. E  as loucuras são feitas. Achamos que vamos ter tempo para viver isto e aquilo e fica para mais tarde, pois no mais tarde, esse tempo hipotético e esplendoroso cabem todos os sonhos e haverá tempo para fazer o que não foi feito. Já na idade adulta, começa a dar os seus problemas. As loucuras de outrora não são suportadas por um coração já enfraquecido, as mazelas foram feitas e não foram corrigidas. E podem ser corrigidas agora! Mas também podem ser corrigidas mais tarde! Ora essa, lá há sempre tempo para corrigir todos os males. E esse mais tarde chega e já é tarde de mais, já não há volta a dar. O coração está velho e enfraquecido, repleto de palavras por dizer e sonhos por viver.  A insuficiência rotineira de carinho e atenção arrebatou-o por completo. Surgem as reanimações, as tentativas desesperadas de voltar a pôr um coração a funcionar, que na verdade já não o faz há bastante tempo, morto pelo dia-a-dia, pela falta de amor e desatenção. O estado clínico é insuportável, e quando vamos a ver, o coração já está no fundo de um buraco para o qual fomos arrastados.

Por isso hoje vai ser diferente, hoje não vai haver jantar e cinema, não vai ser o normal passeio seguido de uma viagem silenciosa até casa, onde te deixo porque amanhã não estamos na agenda um do outro. Hoje, vamos fazer bater o coração, deixá-lo em êxtase e talvez amanhã também o faça, e depois também, pois poderá ser este o coração que suporta a minha vida.

por Bruno Ribeiro
Be my voice, write the end!

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