(7) Um dia, em Lisboa, amor


- Amanhã vou buscar-te à hora de sempre. Desces com os sacos do lixo e fazes-me sinal para esperar uns minutos. Quando entras no carro dás-me aquele teu beijo curto, quente e doce.
A magia começa sempre no alto da rua quando ela está decidida a sair de casa. A personalidade como ela desfila ao longo da calçada. O movimento de ancas. Pernas a um ritmo pausado e determinado. Perna esquerda. Perna direita. Esquerda… Um corpo aprumado. Esculpido por deuses e invejados por deusas. Feito com régua e esquadro. Milimetro por milimetro.
Lá vem ela a meio da rua. O senhor da mercearia fica arregalado quando ela passa. Os clientes param. Olham. De cima a baixo. O seu rasto é inconfundível. Ninguém consegue ficar indiferente.
Coloca os sacos do lixo no caixote. Sacode as mãos. Ajeita novamente o cabelo. Mesmo no final da calçada, avista o carro. Larga-se em felicidade! Solta um sorriso e corre!
Parecia tão real até entrar no carro dele. Sim, dele! Namora o pior rapaz daqui da cidade… Primeiro suga-lhes o sangue e depois abandona, da noite para o dia, como se duma caçada se tratasse. É um pecado para o lombo dele.
Ele vem buscá-la todos os dias. Todos os dias os vejo neste trajeto. Do meu escritório faço o meu castelo de vigia. Consigo observar o alto da calçada, a varanda da casa dela e o fundo da rua, onde ele normalmente a espera.
Ela nem deve saber que eu existo. Nunca nos cruzámos. Nem sabe o meu nome. É uma pena. Estou apaixonado pela forma e ainda não vi o conteúdo.
Apetece-me assaltar a rua. Conquistá-la. Desde do fundo até ao topo da rua. Ela um dia deixará de entrar naquele carro. Deixará de trazer os sacos do lixo. É uma tarefa suja para uma mulher. Eu encarregar-me-ei disso.
Amanhã vou buscar-te à hora de sempre! Quando estiveres pronta, manda-me uma mensagem. Vou-te buscar à porta. (Quando sair de casa, dou-te aquele beijo curto, quente e doce) Levo-te por uma mão até ao carro. – imaginei eu.

por Tiago Pereira
Be my voice, write the end!


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