(10) Dias não são dias


Amanhã vou buscar-te à hora de sempre. Desces com os sacos do lixo e fazes-me sinal para esperar uns minutos. Quando entras no carro dás-me aquele teu beijo curto, quente e doce. Levo-te ao café do costume, os mesmos 12 minutos de caminho, a mesma música no rádio, os mesmos risos, perguntas e lamentações. Nesse café, ah esse café, com o lugar ao lado do carro cinzento abandonado sempre à nossa espera, as pessoas já me eram familiares, aquele sumo de pêssego e o vento que corre na janela do canto, sempre aberta resfriando o ar. No final, o mesmo barulho da sucção das palhinhas, o sumo acabou, hora de viajar 12 minutos até ao local onde te deixo, curta, quente e doce a despedida, vejo-te entrar com o vestido longo a esvoaçar com o vento, o cabelo timidamente amarrado pelo puxo vermelho. Ao entrares espero que a luz se apague e sigo o meu caminho, longo, frio e amargo, no silêncio ensurdecedor da música que já não é a mesma.
Nasce um novo dia, desces com o saco do lixo,  já nem precisas de me fazer sinal, mais uns minutos e chegas para mim, dás-me um beijo que aquece a minha alma, começa a música do costume, seguida dos mesmos 12 minutos de viagem, com destino o mesmo café, aquele da janela do canto aberta e o sumo de pêssego, ah esse café e o velho carro cinzento. Atingido o ponto em que os 12 minutos ficam curtos, que me contemplas com o teu beijo, um autêntico encanto divino! O apetite de ver o vestido a esvoaçar ou até mesmo o puxo vermelho de volta dos teus cabelos ondulados não me encanta, pelo contrário, atormenta-me. A falta do teu perfume se tornar um incómodo é simplesmente mais do mesmo! A luz apaga-se e cai em mim uma súbita tristeza, com o caminho, longo, frio e amargo!
Novo dia, de volta ao mesmo, espero por ti, que desças com os sacos do lixo, espero pelo teu beijo, curto, quente e doce e anseio aqueles 12 minutos. Começa a música do costume, sem sacos do lixo, sem sinal de espera, sem nada, apenas a música que se torna a banda sonora do meu desespero. Faço 12 minutos de viagem, o mesmo café, o lugar ao lado do carro cinzento ocupado. Ao entrar, sento-me numa mesa livre, um calor que gela o meu coração, a janela do canto fechada, não sinto a leve brisa. Pessoas diferentes, o sumo de pêssego havia acabado e nem mesmo a palhinha me esperava. Volto a o local onde sempre ficavas, não havia vento, a falta do vestido e do puxo vermelho que amarrava os cabelos ondulados! O caminho de regresso nunca foi tão longo, frio e amargo!
Novo dia, espero junto ao lixo, a música começa e nem sinal de ti, volto a casa e espero o dia acabar! Ao inicio do dia seguinte simplesmente não esperei no lixo, não ouvi a música nem mesmo os 12 minutos de viagem aconteceram. O lugar ao lado do carro cinzento estaria ocupado e a janela do canto não arrefecia o café, ah o café, aquele em que já não me revia, aquele que não tinha sumo de pêssego nem mesmo uma palhinha. Não havia vestido nem o puxo vermelho e o beijo... Curto, quente e doce.

Simplesmente não houve dia seguinte.

por Paulo Faria
Be my voice, write the end!

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