(3) Natas e Morangos
Amanhã vou buscar-te à hora de sempre. Desces com os sacos do lixo e
fazes-me sinal para esperar uns minutos. Quando entras no carro dás-me aquele
teu beijo curto, quente e doce. Mas hoje, depois do jantar, tudo será
diferente, não sabes o que te espera. Pergunto-me se será a opção correta,
pergunto-me qual será a tua reacção, e quando faço estas perguntas desejava
fechar os olhos e ver o futuro para saber se estou a agir da melhor maneira.
Entretanto, no meio destes pensamentos, já entraste dentro do carro, fico
pasmado… Com a luz do luar ainda ficas mais bonita, e eu a pensar que isso era
impossível! Perguntas-me onde vamos e dizes que precisamos de conversar, reparo
que os teus olhos mostram preocupação, ou será só cansaço? Tenho reparado que
tens trabalhado imenso, que já não dormes as oito horas do teu sono de beleza
que tanto adoras… Sim, é um olhar cansado, não vale a pena inventar! Digo-te
que vamos jantar fora, fiz uma reserva naquele restaurante italiano que existe
na Baixa e que tu tanto adoras, estás sempre a falar na sobremesa que tem
morangos e natas e até a mim já me cresce água na boca só de pensar nisso!
Conduzo com calma, sei que
tenho de fazer tempo para que a surpresa que preparei seja perfeita, mas tu
estás calada, ao contrário do que é normal… Já sei que
estás a pensar que vou criticar a tua forma descontrolada de cantar canção após
canção que passa na RFM, mas não, aliás, se tu soubesses o quanto isso me
diverte, se soubesses o quanto isso te torna especial… Pergunto se estás
bem, e dizes que sim, que depois conversamos mas eu conheço-te, há qualquer
coisa que te perturba e paro o carro. “Que se passa amor?”, olhas para mim e
respondes “Podemos conversar depois, tenho fome, saí tarde do jornal e não comi
nada…”, mas sei que se esperar o mais certo é arrastares o assunto dia após
dia… “Fala comigo, sabes que eu te adoro e que estou aqui para te ouvir…” e de
repente passam-me imensas coisas pela cabeça: será que já não gosta de mim,
será que aquele jornalista que veio de Lisboa e que se meteu contigo ao pé da
fotocopiadora conseguiu conquistar-te, não… estarás doente? Devo ter ficado
pálido! Não posso perder-te nem posso pensar sequer na ideia de ver-te sofrer…
O teu olhar mudou; e agora estás fixada no Mondego e é então que começas a
falar “Lembras-te da promoção que o meu chefe falou antes do Natal? Ele disse
que estaríamos todos em avaliação e que alguém iria ser promovido. Assim, um de
nós teria um lugar em Espanha e um aumento de 15% no ordenado, confesso que foi
tentador. Trabalhei de noite e de dia, lançámos notícias exclusivas em todas as
edições… Fui escolhida!”. A primeira coisa em que pensei foi que Espanha é aqui
ao lado, mas depois, calma, Espanha? Eu ia pedi-la em casamento e ela agora
muda de país? “Não dizes nada?”, perguntaste, e sinceramente não sei o que te
disse, só sei que logo de seguida continuaste “Eu sei o que se ia passar esta
noite, sei que estão todos à nossa espera, até os nossos amigos de infância
estão lá, sei que pediste morangos e natas para a sobremesa e que imploraste
por três vezes para meterem rosas brancas a decorar a mesa… Eu sei de tudo isto
Afonso, mas é a minha oportunidade, e posso ficar lá um, dois anos e depois
voltar e aí sim, seguiremos em frente consoante os imprevistos da vida, mas não
me peças para ficar, nem para casar agora…”.
Acordo, e ali estás tu,
deitada ao meu lado, com o sol de Madrid a iluminar o teu cabelo, são 7h30 e
tenho de ir preparar a surpresa de logo enquanto dormes, afinal já fazemos 25
anos de casados e não tarda estão a chegar os nossos amigos e familiares que
vêm de Coimbra, sei que nem imaginas o que te espera, mas estarão cá todos, até
a Rita que não vês desde que nos mudámos porque ela casou com aquele italiano
que a levou a conhecer a Europa e de quem nunca mais tiveste notícias, mas
afinal, tu és a mulher da minha vida e mereces todos os esforços… e para
sobremesa teremos natas e morangos.
por Joana Marta
Be my voice, write the end!
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