(4) Iogurte Mata-saudades

Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor.
Nunca gostei de nada que tivesse pêssego, e no que toca os iogurtes sempre preferi os de morango. Implicavas comigo por isso, e todas as tardes em que comíamos um iogurte ao lanche - tu de pêssego, eu de morango - já sabia que ias tirar a tampa e sujar-me o nariz com ela. Uma vez por outra lá o sabor a pêssego me chegava à boca, e eu, imediatamente, torcia o nariz. Imitavas a minha cara, e rias-te, como só a ti te vi rir assim. Tinhas um riso tão espontâneo, às vezes assustava-me de tão alto que era. Hoje tenho só saudades. É pelas saudades que hoje como iogurtes de pêssego. Um por dia. Ou mais, depende da falta que me fizeste naquele dia. Tu sabes, quando partiste eu não sabia onde me segurar, já não te tinha aqui para implicar comigo, e para me sujar o nariz. E no frigorífico, os iogurtes de morango acabavam, e ficavam os de pêssego à tua espera… mas tu nunca os vieste buscar. Eu decidi comê-los, para acabar com a dor de ver o teu rosto sempre que abria o frigorífico. E os iogurtes já não sabiam a pêssego, sabiam a ti. A cada colher, era como se te sentisse, como se ouvisse o teu gargalhar, como se visse os teus olhos negros encherem-se de água de tanto rir. Nesse dia os iogurtes de pêssego passaram a ser os meus preferidos. É que, ainda que já dez anos depois, é quando eu me sento no meu sofá, depois de uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego que eu sou transportada para os tempos em que ainda estavas cá para me fazer cócegas e despentear o cabelo. Agora vivo mais segura, porque sei: enquanto houver iogurtes de pêssego no mundo, vou ter-te sempre comigo, ainda que seja só na aventura dos sentidos, meu querido Avô.

por Jú Sousa
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