(5) Furacão
Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de
pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este
sabor.
Inquieta-me
a passagem do tempo quando o tempo por mim não passa. Espero por uma mudança
que tarda em chegar. Há um passado que me amaldiçoa e não me deixa viver o
presente. Anseio pelo futuro, anseio que o tempo traga mudança, que ela venha
que nem um furacão e te leve de dentro de mim- estranha analogia esta, quando
até nas palavras tu vens ao meu encontro. Dóis-me demais. Dóis-me quando penso
em ti e dóis-me quando em ti não penso, não voluntariamente, como agora.
Dóis-me quando me apercebo que vives dentro de mim, na minha casa, no sofá que
já foi o aconchego dos nossos corpos, no corredor que vivenciou a volúpia de
nós, nas paredes que encerram o teu cheiro, paredes essas que nunca foram
capazes de te segurar, de barrar a tua ida. Dóis-me quando vives na rotina que
um dia deixou de ser minha para ser nossa. Dóis-me quando umas simples colheres
de iogurte me remetem para ti- para os beijos com sabor a pêssego com que me
brindavas a todas as horas. Sabes, tinhas os beijos mais doces, mais quentes e
frescos. Tinhas em ti o beijo que todas nós queremos, o beijo meigo que se
torna em fogo. Durante os onze meses em que o meu corpo foi teu, nunca me
apercebi dessa capacidade que tens em arrancar o que à tua volta vive e
deixares apenas um rasto de pó e mágoa para trás. Não sei se fui ingénua ou
cega por querer acreditar que comigo irias ser diferente, comigo ia ser
diferente- eterno enquanto durasse, lembras-te? Eu nunca coloquei um prazo de
validade em nós, como se o amor fosse um desses alimentos que perde qualidade
ao longo do tempo. O meu amor por ti era o meu alimento de todos os dias,
alimentavas-me o corpo e a alma e eu de pouco mais precisava, mas o meu amor
por ti não se iria deteriorar com os dias. Amava-te como se o tempo fosse
eterno e imutável. Como não foi para ti? O ponto final foi escrito pela tua
mão. Durante os onze meses em que o meu corpo foi teu, o teu nunca foi somente
meu e dói-me não conseguir compreender o que faltava em mim, o que te levou a
descobrires novos corpos, o que te levou para outras descobertas, como me
usaste com a mesma serenidade com que partiste. Tens uma força destruidora dentro
de ti e dóis-me quando ainda hoje me arrancas estes mares de lágrimas que me
turvam a visão. Fecho os olhos e vejo-te aqui. Tão ingénua. O teu cheiro vive
nas paredes. Abro os olhos e vejo o preto da ausência. Pisaste-me, colocaste-me
no chão e eu tinha-te num pedestal.
Sabes,
a verdade é que o amor não és tu. Talvez o amor nem seja isto. Talvez eu seja
dependente de ti e o amor não seja isto. A verdade é que eras um vício que me
mantinha viva, o teu simples cheiro inebriava-me e eu precisava cada vez mais
de ti, precisava só mais um pouco de ti- só mais um beijo, só mais cinco
minutos, só mais uma manhã na cama, só mais uma noite em claro, só mais um
pouco de ti. Talvez nesses onze meses em que o meu corpo foi teu eu soubesse
que nós não teríamos um ponto final porque nunca tivemos um início. Chegaste
numa noite, numa noite partiste e nas noites entretanto devorei-te até aos
ossos, até a carne ganhar vida, até sair do meu corpo, até entrar no teu e
trazer-te com a mesma intensidade com que o prazer saía de ti.
Talvez o amor não seja
isto. Ou talvez até seja. Talvez não sejas tu o furacão. Talvez o furacão seja
eu por te ter vivido intensamente. Sabes, é que de outra maneira não vale a
pena viver.
por Joana Santos (blog)
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