(1) Renovando o Destino

Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor.
Aquele final de tarde de outono parecia uma bênção para quem não aproveitou o verão como quis e planeou uma vida ao sabor do vento quente. Já não era julho nem agosto, setembro já tinha acabado e foi em outubro que tudo reapareceu. Senti que o destino estava à espreita e cruzámo-nos ali mesmo, à porta do ginásio que ambos frequentemos há tanto tempo e que nunca nos tinha proporcionado um momento destes. Já não sabia o que era olhar para ti, ver a barba descuidada e um ar de miúdo que não quis crescer. Imediatamente apareceram as memórias que me diziam ''percebes agora o que ele tem a mais do que os outros?''. Não, continuo sem perceber. E acho que é assim que quero continuar, porque no dia que perceber e decifrar o que há por trás dessa imagem de durão que se arrepia se lhe passar as unhas no braço, a magia acaba. E se ela dura há tanto tempo, não será agora que vou acabar com ela.
Nem se pode dizer que tivemos ''dois dedos de conversa'' - uma daquelas expressões que sempre me irritou, dedos de conversa?!- e achei que tentaste de forma educada me despachar. Como ia atrasada para a aula de zumba e levava o cabelo apanhado de forma estranha depois de ter vindo a correr desde casa, não me importei. Engraçado que ao saíres do ginásio consegui ver pela porta de vidro que olhaste para trás.
À noite, uma mensagem fora escrita e apagada mil vezes. Apaguei-a de vez e adormeci. O relógio marcava 04:49h quando o telemóvel vibrou e em meia dúzia de linhas li que a vida muda quando menos esperamos e que nós não tentámos mudar as nossas no mesmo sentido, que ainda te lembras do que é ouvir a resmungar com o sono e que não imagino as saudades que tens de sentir as minhas unhas nos teus braços e costas. Acabava com um simples ''tenho saudades tuas, fomos nós ou o destino que falhou?''. Nunca saberemos responder.
De manhã, ao pequeno-almoço, comi um iogurte de pêssego e reli a mensagem vezes sem conta, não sabia se devia responder da mesma forma ou se uma chamada matinal iria fazer a diferença. A chamar. Não disfarçaste a surpresa, e ao contrário do que eu pensava que ias fazer, disseste que não conseguias dormir a pensar em tudo aquilo que podíamos ter sido, e que é ridículo como a morar tão perto nunca nos tenhamos encontrado nem mesmo no ginásio. Pensei que tinha sido o destino que nos falhou nisso, respondendo mentalmente á pergunta com que acabaste a mensagem. Desligámos após uma troca de ideias vagas sobre nós, se é que isso existe, e não consegui acabar o iogurte. Fiquei com um nó no estômago, planeei uma temporada a dois imensas vezes antes de dormir. Via-te a rir e a dizer ''és muito engraçada'', uma frase que sabes que me tira do sério.
Nos dias seguintes, onde quer que fosse, procurava-te. Mas o destino estava a falhar novamente porque se dávamos um passo em frente, recuávamos dois.
Andámos assim um ano, num jogo do gato e do rato que poucos eram os que entendiam, porque se nem nós entendíamos, como haveriam os outros de entender? Enchi-me de coragem e liguei-te novamente, acho que consegui mostrar-te que por muitas voltas que a vida desse, as nossas acabariam sempre por se cruzar e a conversa acabou com um convite para jantar em tua casa. E o impensável aconteceu. Tinhas uma casa com a tua cara, acolhedora qb, mas era tua, a tua maior conquista, transbordavas orgulho sempre que dizias ''a minha casa''. Escusado será dizer que a noite em claro a conversar, os narizes a tocarem um no outro e os olhares que se trocaram mais tarde no silêncio da tua casa, fizeram a diferença. Eu não sabia o que esperar daquilo, mas quando de manhã acordei e já estavas na sala a comer um iogurte de pêssego, percebi que não havia melhor sabor para partilhar a dois. O destino estava de olho em nós, só faltava que nós próprios percebêssemos isso. Até porque, durante tanto tempo nunca te vi a comer um iogurte, era demasiada coincidência estares a fazê-lo agora, na segunda manhã que começámos a dois, porque a primeira, foi quando percebi que não teria mais tempo para esperar e o teu telemóvel tocou para me dizeres que pensavas em tudo aquilo que podíamos ter sido. Pois bem, eu estava a começar a mostrar-te ali mesmo, tudo aquilo que íamos ser, entre uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego.


por Joana Marta (blog)
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