(8) 4 colheres e 4 iogurtes


Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estava ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor.
Seria provavelmente perto da hora do lanche e como num habitual domingo chuvoso, decidi tirar a tarde para por em dia a lista de filmes “que um dia vou querer ver”.  Aproveitei o fim-de-semana de volta a casa, depois de mais uma semana como estudante universitária na grande cidade de Coimbra e combinei jantar com as minhas amigas do secundário. Jantar, levou a café, café ao bar e do bar saímos já o sol tinha nascido.
Apesar do sono, deu para pôr muitas conversas em dia, relembrar momentos passados, namoros trágicos e até mesmo quando a Luísa quase foi apanhada a copiar no teste de biologia para o qual, sem espanto algum, se havia esquecido de estudar. Era uma sensação estranha voltar a casa apenas aos fins-de-semana, fins-de-semana estes que são cada vez menos. Os transportes são caros, a matéria aumenta a cada hora de aula e novos laços começamos a criar. Toda a cidade respira tradição, respira saudade e como não poderia deixar de ser, tem o seu verdadeiro encanto quando chega a hora da despedida.
Sempre que regresso, trago uma mala cheia de roupa para lavar, as caixas prontas para trazer mais algumas refeições já feitas e uma pequena lembrança para a minha irmã mais nova, de quem sinto tanta falta. Nunca tinha refletido bem como seria este novo ano, uma cidade diferente, a minha primeira casa, a falta dos cozinhados da mamã e das boleias para a escola do papá. Bem me recordo de como era bom acordar quase a vinte minutos de começarem as aulas, de ter tempo para me arranjar sem pressa e de não ser visível uma única marca de uma noite mal ou pouco dormida. Sempre ouvi a minha mãe dizer-me que mais liberdade, traria mais responsabilidades e aqui estou eu, a crescer com elas. Tornei-me mais independente, mais adulta e numa melhor cozinheira, mal posso esperar pelo dia em que vestirei o traje académico pela primeira vez…
Dei por mim completamente distraída do filme que via, tinha sido envolvida por todo aquele iogurte de pêssego. Era igual a todos os outros que comia em Coimbra, quando chego das aulas e ainda tenho de pensar no que irei fazer para o jantar.
Nada mais consigo pensar senão nos momentos de uma vida por aqui, na nostalgia e na saudade que todo aquele iogurte me fazia sentir. Era hora do lanche e finalmente tínhamos conseguido estar os quatro em casa a essa hora, a toalha de mesa estava posta, havia quatro colheres e quatro iogurtes de pêssego, era o último dia de verão.


por Rita Flores (blog)
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