(3) E a conta da saudade? Quem é que a paga?


Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Este aroma a fruto proibido, esta saudade que é alimento para a alma.
E lá estávamos nós de mãos dadas a saborear a simplicidade da vida, a encher o nosso dia de emoções com a certeza de que o mundo era nosso! Deitados e descalços a sentir os grãos da areia molhada, completamente desprevenidos e alheios às ondas que a qualquer momento podiam juntar-se a nós sem avisar. Eu era assim contigo. Não achava nem pensava, só estava. Sempre inteira e sem reservas. 
Ria-me de ti e das tuas piadas que eram tentativas mirabolantes de me fazer sorrir. E conseguias sempre, eras mestre nessa arte, o meu palhaço de eleição, o centro de tudo.
Não sei se te lembras daquela vez (e a vontade que eu tenho de recuar no tempo…) em que o teu único objetivo era curar outra das minhas crises existenciais e, no meio da rua mais movimentada de Lisboa, me fugiste. Meio segundo depois já lá estavas com um refresco de pêssego na mão e um banco por baixo dos pés (o refresco já ia a meio, deves tê-lo “pedido emprestado” a uma das tias de Cascais que estava na esplanada do café mais próximo e o banco também era de lá).
Olhaste-me nos olhos como sempre fazias, esticaste o braço com a bebida na minha direção e disseste docemente: “Bebe. Este é o remédio para os teus problemas, a resposta às tuas questões, o elixir da vida que tanto anseias aproveitar. Bebe-o devagar, saboreia a intensidade do sumo que não é mais nem menos do que o sumo que a tua vida dará com os frutos que ao longo dela hás-de colher. Adoro-te e espero que nunca me deixes viver esta aventura que é a vida sem ti.” (Aplaudiram, elogiaram a ousadia e imploraram “bis”).  
Depois do discurso eu bebi. Devagar como ele me indicou, saboreando como me aconselhou. Seguiu-se uma serenata e ele passava de tons agudos para graves com a maior das facilidades e com a menor das afinações, mas era isso que me encantava nele. Ele não tinha medo nem vergonha. Era o meu companheiro de aventuras, o meu caçador de sonhos (sem penas e fios dispostos em teia de aranha). Era também um cavalheiro e, como tal pagou a conta de um novo refresco de pêssego à tia que nem tempo teve para ficar chateada com o atrevimento da sua atitude jovem e confiante. Mas e a conta da saudade que hoje sinto de nós? Quem é que a paga?

A minha vida deu frutos (ele tinha razão), mas bem espremidos não dão nem metade do sumo que, naquele dia eu bebi daquele copo, com ele, de coração cheio, à minha frente.

por Ana Beatriz Reis
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