Dia 4 - ACRESCENTAR

Acrescentar: adicionar, aumentar, enriquecer.

Ainda não comi as bolachas. Estou a tentar que durem tanto tempo quanto possível. Sou uma colecionadora de “tralha”. Acumulo bilhetes de concertos, t-shirts que nunca mais vou usar, postais, pedras, conchas, flores, óculos, cartas, porta-chaves, qualquer coisa que me lembre alguma coisa. Na verdade, até tenho coisas que já nem lembro por que guardo, mas sei que se guardei tive um bom motivo, e por isso mantenho. Tenho uma gaveta atulhada, é a gaveta das recordações. Entretanto tenho uma caixa só com memórias da viagem à Alemanha, umas quantas caixas espalhadas com recordações escutistas, um monte de revistas do meu secundário, uma capinha com coisas do estágio e mil dossiers com documentos para os quais nunca mais vou olhar, mas que não mando fora “para o caso de um dia precisar”. Tenho todos os meus livros e cadernos desde que entrei para a primária, os cadernos da catequese e os diários que nunca escrevi (escrevia uma ou duas páginas quando eram novidade mas depois achava que a minha vida não era assim tão interessante). Outro dia ouvi alguém dizer que se não formos escrevendo diariamente o que acontece, chegaremos ao fim da vida sem recordações. Primeiro pensei que estava tramada, depois pensei que aquela pessoa devia ter tido uma vida triste para precisar de algo assim, afinal há memórias que nos ficam nas entranhas como se de ADN se tratassem. Lembro-me de pormenores mínimos, momentos embaraçosos e às vezes questiono-me sobre o método de seleção do nosso cérebro, mas nunca cheguei a nenhuma conclusão. Muitas vezes sou transportada de forma instantânea e quase absurda para lugares e pessoas só pelo cheiro. Tenho uma memória olfativa do caraças. Conheço o cheiro das minhas férias no Algarve, o cheiro da minha professora de português, o cheiro da casa da Joana, do carro do tio Fernando, do aftershave do meu avô e adoro pessoas que cheiram bem, aquelas pessoas que passam por nós na rua e por quem nos apetece inverter a marcha só para continuar a cheirar. É, tenho manias parvas. Como conseguimos guardar tudo isto?
Talvez a nossa memória seja como uma grande mochila, com vários bolsos, alças fortes e fechos seguros. Todos os dias  guardamos novas coisas na mochila, está tão cheia que é normal que vejamos com mais frequência o que ficou ao cimo. Às vezes tropeçamos, damos duas voltas à vida, ou ela é que nos dá meia dúzia de encontrões e tudo o que está na mochila se emaranha, saltando-nos à vista (e ao coração) coisas que já nem sabíamos que existiam. Este é o lado bom das recordações, fazerem-nos (re)apaixonar por sensações que já nem nos lembrávamos de ter tido. Dizem que as saudades fazem as coisas parecerem melhores do que realmente foram… Se calhar. De qualquer forma, hoje é dia de encher a mochila.

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