Dia 9 - REGRESSAR

Regressar: voltar, tornar ao ponto de partida.

Gosto de coisas quentes. Um leite com chocolate numa noite de estudo, uma tarde de praia, aquele casaco das manhãs geladas, as mãos que aquecem as minhas, o ar do secador de cabelo, um luar de verão, chá de maçã e canela, a sopa do jantar de domingo, o chouriço assado dos raides noturnos, o crepitar da fogueira nas noites de cantoria, o cachecol branco que a minha avó tricotou e a minha casa. A minha casa no sentido literal e figurado. Às vezes a minha casa é só um abraço, aquele abraço por que esperamos a semana toda, aquele abraço que quer o melhor para nós, aquele abraço confortante e quente, sempre tão quente. Outras vezes a minha casa é uma gargalhada, estridente e espontânea como eu gosto, daquelas gargalhadas contagiantes que fazem rir todos os que estão à volta, quando isso acontece é sempre missão cumprida. Não raras vezes, a minha casa não é mais que uma troca de olhares, daquelas em que se diz quase tudo, com aquelas pessoas que  nos percebem como ninguém, aqueles olhares que nos dizem “Eu estou sempre aqui”. Mas a minha casa, a minha casa mesmo, a física, essa aquece-me como nenhuma outra coisa, mesmo quando a salamandra está desligada e as mantas do sofá estão para lavar, mesmo quando o sol não raiou e as paredes estão geladas, mesmo quando está vazia de pessoas. Já falei de recordações , do quanto nos tranquilizam e revitalizam, elas também são casa.
Estar em casa é poder levantar-me a meio da noite e ir onde quiser de luzes apagadas e pés descalços, sem fazer barulho pois sei exatamente onde estão as coisas, onde devo apoiar as mãos, a largura de cada degrau, a distância a que estão os móveis. Estar em casa é, quando procuramos alguma coisa, abrir mil gavetas por distração e quando encontramos o que procurávamos, ter a certeza que sempre soubemos que estava ali. Estar em casa é ter uma mãe sempre a reclamar por não limparmos o quarto e a prometer que nunca mais arruma a nossa roupa e no final tratar sempre de tudo. Estar em casa é saber que mesmo  que haja pouco tempo, o almoço vai estar feito, a mesa posta e vamos comer todos juntos.

Dizem que a nossa casa é onde está o nosso coração. O meu é grande e divide-se facilmente, entre pessoas e locais. Mas há um pedaço maior que todos, aquele que fica em Coimbra, que vagueia pela cidade, que visita os meus sítios por mim e que vai ocupando o meu lugar quando eu não estou. Eu e o meu coração temos várias casas, mas só aquela tem lugar de destaque. Hoje é dia de partir corações. 

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